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IMPACTO DA PANDEMIA (COVID-19) EM RELAÇÃO AO VALOR DO ALUGUEL NAS LOCAÇÕES DE IMÓVEIS URBANOS

As proporções da pandemia da COVID-19, causada pelo novo coronavírus, são bem perceptíveis. No âmbito internacional, considerando a recente proliferação e respectiva pandemia do coronavírus (COVID-19), bem como em atenção às recomendações da Organização Mundial da Saúde. No âmbito nacional, a Lei n. 13.979/20 trata das medidas protetivas de controle do coronavírus e o estado de calamidade pública foi reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. No âmbito estadual, os Estados vêm declarando situação de emergência em seus respectivos territórios, como exemplo, no Estado em que o ora autor tem domicílio, o Estado de Santa Catarina, foi declarado emergência em todo seu território, nos termos do Decreto n. 515, de 17 de março de 2020, o qual restringe acesso a locais públicos, ao funcionamento de estabelecimentos e a reunião de pessoas. No âmbito Municipal as prefeituras também se mobilizam adotando restrições até muitas vezes divergindo da posição Estadual relativa ao tempo de retomada das atividades econômicas.

 

Pois bem, sem dúvidas a situação é de conhecimento amplo e irrestrito da população brasileira, e está integralmente voltada para a proteção da saúde pública. Diante desta situação a primeira palavra em mente num caso desses é a alegação de caso fortuito (evento totalmente imprevisível) ou força maior (evento previsível, mas inevitável), nos termos do art. 393 do Código Civil, a fim de justificar o inadimplemento. Por esse comando, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes desses eventos se expressamente não se houver por eles responsabilizado, por força do contrato.

 

No entanto, para o professor José Fernando Simão[1], “em termos de efeitos, em ocorrendo o caso fortuito ou de força maior, a lei autoriza: 1) A resolução do contrato, seu desfazimento, sua extinção, com efeitos ex nunc, ou seja, do momento em que se declarou a a resolução para frente. 2) Irresponsabilidade do devedor pelos prejuízos causados ao credor.” E, a maioria dos locatários não querem resolução e sim revisão.

 

Também se deve considerar que a causa das restrições impostas ao locatário é, a princípio, inimputável a ambas as partes, uma porque a pandemia pode ser caracterizada como força maior, e, também, porque muitas, senão todas, das restrições existentes decorreram de lei (fato do príncipe). O desafio é calcular quais serão os impactos econômicos que essas medidas terão na relação locatícia, e, evidentemente, se for o caso, de como calcular o valor da redução, que deverá levar em conta a composição do aluguel e ser proporcional à restrição sofrida pelo locatário.

 

Considerando que as partes não cheguem a um consenso em relação a situação atual, sempre ressaltando que a composição numa situação como essa é bem vinda, senão a melhor e mais benéfica solução para ambas as partes, caberia ao locatário propor perante a justiça a ação revisional, o que poderia fazer com fundamento no art. 19, da lei de locação, a qual nos ensina que “não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado”.

 

Entretanto, não se pode deixar de apontar que a própria lei de locação, em seu art. 68, II, “a” e “b”, impõe limites a fixação de um aluguel provisório, no caso: a) em ação proposta pelo locador, o aluguel provisório não poderá ser excedente a 80% (oitenta por cento) do pedido; b) em ação proposta pelo locatário, o aluguel provisório não poderá ser inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente. A dúvida é claro é saber se o limite legal vai atender o impacto econômico gerado no caso em concreto.

 

Por óbvio, nem todos os casos se enquadram nos requisitos exigidos da lei de locação e a solução da lei foi pensada para readequar o valor do aluguel ao valor de mercado, o que levaria a analise de mercado, propondo um caminho diferente, a professora Aline de Miranda Valverde Terra (Mestre e doutora em Direito Civil pela UERJ), em artigo por sí publicado[2], qualifica as restrições imposta aos locatários pela lei como restrições ao exercício das faculdades que lhe são transferidas pela impossibilidade superveniente parcial e temporária. Para a professora a situação é análoga à deterioração inimputável da coisa, prevista no art. 567 do Código Civil, segundo o qual “se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava”.

 

Conclui a professora que haverá mera deterioração das faculdades do locatário, a autorizá-lo, por força do art. 567, a requerer a redução do valor do aluguel, mesmo que ainda não tenha transcorrido o prazo de 3 anos previsto no art. 19 da lei 8.245/91, já que aos contratos de locação comercial se aplica, supletivamente, o Código Civil, e, ainda, a aplicação do art. 567 se revela opção mais simples, já que dispensa, por exemplo, a discussão dos requisitos exigido pela literalidade do art. 478 do Código Civil, a respeito da aplicação da teoria da imprevisão/onerosidade excessiva. De fato, na prática, o que se vê é que a maioria trilha o caminho da revisão com base no art. 317 do CC, acrescido ou não do art. 478 e 479 do CC, levando em consideração nestes dois últimos artigos o princípio da conservação dos contratos.

 

Quanto aos encargos moratórios, de certo que bastaria o vencimento na data aprazada sem o devido pagamento para que se configure a mora. Em contraposição, argumenta o advogado Marcelo Matos Amaro da Silveira (Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), em artigo publicado[3], que a aplicação dos encargos moratórios em caso de inadimplemento pontual decorrente das dificuldades vividas nos momentos atuais consiste em inequívoco abuso de direito, em literal violação ao art. 187 do Código Civil. Para o autor do texto, aparentemente o exercício do direito será regular, mas no fundo ele será realizado em contradição aos valores normativos e os deveres de conduta que emanam da boa-fé objetiva.

 

De qualquer forma, a recomendação é que o locatário que pretenda discutir a revisão do aluguel de forma judicial se instrumente de provas da queda de seu faturamento (DRE, balanço patrimonial, fluxo de caixa, redução do recolhimento dos tributos), ou mesmo que demonstre a redução dos alugueres cobrados em imóveis em condições semelhantes, podendo ser feito por pesquisas feitas por entidades especializadas, associações de classe ligadas a imóveis, administradores de imóveis, anúncios de jornais, contratos de locação relativos a imóveis vizinhos, laudo técnico, etc.

 

Não custa lembrar que neste momento de incerteza, a renegociação extrajudicial dos contratos é sempre o melhor caminho, evitando maiores despesas, levando em conta as causas do caso em concreto, a fim de conciliar todos os interesses, preservando as atividades econômicas dos autores envolvidos.

 


[1] SIMÃO, José Fernando. “O contrato nos tempos da COVID-19”. Esqueçam a força maior e pensem na base do negócio. Migalhas. 20.03.2020. Disponível: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/4/8CF00E104BC035_covid.pdf.

 

[2] TERRA, Aline de Miranda Valverde. Covid-19 e os contratos de locação em shopping center. Migalhas. 20.03.2020. Disponível: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/323008/contratos-de-franquia-e-covid-19.

 

[3] SILVEIRA, Marcelo Matos Amaro da. Encargos moratórios, coronavírus e a boa-fé objetiva. Jus Brasil. 27.03.2020. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/823561131/encargos-moratorioscoronavirus-e-a-boa-fe-objetiva.

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